“Abriram-se os olhos de ambos; e percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira, e fizeram cintas para si.” (Gênesis, capítulo 3, versículo 7)
“O homem logo percebeu que podia caçar os animais e abatê-los não só pela carne, mas, também, por suas peles. O uso de peles apresentava dois problemas. Meramente colocada nos ombros, a pele de um animal não só tolhia seus movimentos como deixava exposta parte do corpo. Ele, portanto, precisava dar-lhe forma de algum modo, mesmo que, a princípio, não tivesse meios para isso. O segundo problema é que as peles dos animais, à medida que secam, tornam-se duras e difíceis de tratar. Era necessário descobrir um meio de torná-las macias e maleáveis; o mais simples é uma laboriosa mastigação. Até hoje, as mulheres esquimós passam parte considerável do dia mastigando as peles que seus maridos trazem da caça. Outro método consiste em, alternadamente, molhar a pele e sová-la com um malho, após a raspagem de todos os fragmentos de carne presos a ela.“[1]
Houve um avanço quando se descobriu que a gordura de animais marinhos, quando esfregado na pele, ajudava a conservá-la maleável por mais tempo. O próximo passo foi a descoberta do curtimento. A casca de certas árvores, especialmente do carvalho e do salgueiro, contém ácido tânico, que pode ser extraído ao mergulhá-las em água, formando uma solução. Após ficarem imersas, por tempo considerável, as peles tornam-se, permanentemente, maleáveis e à prova d´água. Esse processo permitiu que as peles fossem cortadas e moldadas. Houve, então, a invenção da agulha de marfim de mamute, ossos de rena ou de presas de leão-marinho. Isso tornou possível costurar pedaços de pele,como na vestimenta ainda hoje usada pelos esquimós.
Enquanto isso, os povos que viviam em climas mais temperados foram descobrindo a utilização de fibras animais e vegetais. Lãs e pêlos eram penteados, molhados e colocados em camadas sobre uma esteira. Em seguida, enrolava-se a esteira com força e batia-se nela com uma vara. Os pêlos ou a lã eram, dessa forma, compactados, e o feltro produzido era quente, maleável e durável, podendo ser cortado e costurado, a fim de se fazerem roupas, tapetes e tendas, tais como as que hoje conhecemos.
Com o desenvolvimento da civilização, as vestes passaram a acumular funções: aquecer e distinguir classes sociais, com a sofisticação dos trajes dos que detinham o poder e gozavam do prestígio social.
Com a entrada do capitalismo no cenário mundial, e a necessidade de produção em massa, arrisca-se dizer que, hoje, o vestido de festa de uma mulher pertencente a qualquer classe social, assemelha-se ao de uma princesa qualquer, das remanescentes aristocracias. A imitação é livre; a diferença se revela no material usado e nas desastradas cópias não tocadas por mãos de artistas.
A moda não pode ser encarada como uma atividade frívola, e as pessoas devem se convencer de que ela está ligada às modificações que atingem a sociedade em seus vários aspectos. Moda e movimento: essas duas palavras são indissociáveis.
“Às vezes, os movimentos da moda dificilmente se deixam perceber. De repente, crescem. Depois, extinguem-se, progressivamente. (…) Outras modas nascem, ainda mais ardentes e devoradoras que as precedentes. Nós nos escandalizamos, admiramos e imitamos. (…) Até o dia em que a roupa é abandonada no sótão. A revogação não é definitiva. Algumas modas são resistentes. Outras retornam. Revisitadas, embelezadas, enriquecem épocas novas.”[2]
A moda significa, sobretudo, uma maneira de ser, um modo de vida. Dessa desordem organizada, em constante mutação, dessa proveitosa aliança entre o acaso e a necessidade, entre a arte e a indústria, entre a exigência de exprimir-se e a de cobrir-se, formula-se uma história coerente – a da indumentária, que, por essência, sempre esteve ligada à diferenciação das pessoas e de classes.
Atualmente, é aceita a teoria de que um dos princípios que levaram o homem a se vestir, foi a diferenciação de seus semelhantes, as crenças associadas às influências mágicas de alguns tipos de ornamentos (como peles de animais que quando usadas transmitiam as características destes, para seu proprietário) ou mesmo por questões que psicologicamente estão diretamente relacionadas aos tabus da sexualidade e ainda à necessidade de sedução, que sempre existiu, até nas sociedades mais primitivas. Mas, mesmo no início da história do vestuário sempre houve a ligação direta de status associado à diferenciação de classes.
Quando técnicas de tecelagem ainda não haviam sido inventadas e peles de animais eram os únicos elementos disponíveis, os melhores caçadores eram diferenciados pelo fato de possuírem as peles dos animais mais ferozes, assim transmitiam suas habilidades de bons caçadores através da sua vestimenta e, dessa maneira, passavam a impor suas diferenças sobre aqueles que não possuíam sua coragem, algum tipo de mercadoria ou poder para adquirir essas peles mais cobiçadas.
A história do vestuário e da economia segue em paralelo, uma vez que peles, tinturas, tecidos exóticos e metais preciosos, sempre estiveram presentes entre os artigos de luxo que fariam a fortuna dos primeiros comerciantes. Os conhecimentos de técnicas de tecelagem e de curtimento de couros foram segredos estrategicamente guardados e colaboraram para o sustento de algumas tribos durante séculos.
A moda sempre esteve ligada ao luxo e ao supérfluo, o consumo conspícuo acima das necessidades, unicamente para demostrar a folga orçamentaria daquele que possuía de sobra para adquirir o luxo.
A moda faz parte do luxo, mas moda como a reconhecemos, com suas transformações sazonais e extravagâncias só se inicia no final da Idade Média, no século XIV, com o aparecimento de peças de vestuário nitidamente diferenciadas para homens e mulheres, e a preocupação da corte e da alta burguesia de seguir as modas ditadas pelos governantes, imitando seus trajes. Anterior a esse período, existia somente o consumo de luxo pelos membros das classes mais abastadas e o gosto e a curiosidade por mercadorias de outros povos.
A moda sempre foi privilégio das elites e, durante séculos, respeitou a hierarquia das classes sociais. Leis suntuárias regulamentavam quem poderia usar o quê. Quando foram introduzidas tais leis na Espanha, França e Itália a partir dos séculos XIII e XIV, o comércio estava renascendo, e uma classe de novos ricos burgueses ampliava seus poderes, querendo desfrutar o mesmo luxo de nobres e aristocratas em suas roupas, mas eram proibidos pelas leis, que foram criadas para controlar o gasto desnecessário e o comportamento dos cidadãos. Funcionalmente, tais leis mantinham as distinções de classes.
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[1] LAVER, James. A Roupa e a Moda
[2] BAUDOT, François. Moda do Século.
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1) Você concorda com essa teoria da evolução do vestuário?
2) Você concorda com as razões que fizerem com que a moda surgisse?
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LILI
Meus parabens pela seua pesquisa e devoção ao assunto “moda”. Sou restauradora/conservadora de acervos em suporte papel com formação em Desenho, Artes Plásticas e Crítica de Arte pela UFBa. Ha 07 anos trabalho no Teatro Castro Alves, Salvador – Bahia na função de Preservação Conservação de Coleções. Há 02 anos e 1/2 venho tentando levantar o acervo do Centro Técnico, – Figurinos/Adereços.
Seu blog foi de extrema utilidade e espero utiliza-lo como fonte de pesquisa.
Obrigada.
Estela Macêdo
Lili
Mais uma vez estou lendo o seu blog. Ele existe publicado para que pudéssemos inclui-lo na nossa biblioteca para estudos dos nossos técnicos?
Os artigos que já li são interessantes para a formação do pensamento crítico de quem trabalha no ramo de indumentária, adereços, enfim, da criação em geral
Cordialmente,
Estela Macêdo
PARABENS, VC, ME AJUDOU TIRAR EXCELENTE , NA MINHA PROVA DE HISTORIA DA MODA , ADOREI SUAS PESQUISAS,
GRACILEUZA REIS